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sexta-feira, 1 de setembro de 2023

Os mitos precisam se atualizar para se adaptarem às mudanças nas sociedades...

A relação entre os mitos e a evolução das sociedades é um tema fascinante e complexo. Os mitos, que são narrativas simbólicas que explicam a origem e o significado do mundo, desempenharam um papel central nas culturas humanas ao longo da história. No entanto, a necessidade de atualizar esses mitos para se adaptarem às mudanças nas sociedades é uma questão importante a se considerar.

Um exemplo evidente dessa adaptação se encontra nas religiões. As religiões são sistemas de crenças que muitas vezes são baseados em mitos fundadores que datam de milhares de anos. Esses mitos desempenharam um papel crucial na formação da identidade cultural e espiritual das comunidades ao longo das gerações. No entanto, nos dias de hoje, vemos um aumento significativo do ateísmo, principalmente em países mais ricos e igualitários. Por que isso acontece?

Uma possível explicação está na necessidade de os mitos religiosos se adaptarem às mudanças sociais e científicas. Muitos dos mitos religiosos tradicionais não conseguem mais satisfazer as demandas de uma sociedade cada vez mais complexa e globalizada. As explicações míticas para fenômenos naturais, por exemplo, foram desafiadas pela ciência moderna, o que levou muitas pessoas a questionar sua fé.

Além disso, em sociedades mais ricas e igualitárias, as pessoas muitas vezes têm acesso a melhores condições de vida, educação e saúde. Isso pode levar a uma diminuição da necessidade de recorrer a crenças religiosas como uma fonte de consolo ou explicação para o desconhecido. A segurança material e a igualdade social podem reduzir a dependência das pessoas em relação à religião.

Por outro lado, as religiões enfrentam desafios significativos para se adaptar a essas mudanças. Muitas vezes, elas se agarram aos mitos fundadores tradicionais, relutantes em se afastar de doutrinas estabelecidas que têm séculos de história. Isso pode alienar as gerações mais jovens que buscam respostas mais compatíveis com o conhecimento atual e os valores contemporâneos.

No entanto, algumas religiões e correntes de pensamento têm buscado atualizar seus mitos e doutrinas para permanecerem relevantes. Elas reinterpretam os ensinamentos religiosos à luz das descobertas científicas e dos desafios éticos modernos, adaptando-se assim às mudanças sociais. Essa abordagem pode atrair aqueles que desejam encontrar um equilíbrio entre espiritualidade e racionalidade.

Em resumo, os mitos precisam se atualizar para se adaptarem às mudanças nas sociedades, e isso é particularmente evidente nas religiões. O aumento do ateísmo em sociedades mais ricas e igualitárias pode ser atribuído, em parte, à incapacidade de algumas religiões de se ajustarem às demandas do mundo contemporâneo. No entanto, as religiões que conseguem evoluir e reinterpretar seus mitos têm uma chance melhor de permanecerem relevantes em um mundo em constante transformação.

sexta-feira, 21 de julho de 2023

O que aprendi com o livro “A mente moralista: Por que as pessoas boas se separam por causa da política e da religião?”, de Jonathan Haidt…

 A divisão política estadunidense levou o psicólogo Jonathan Haidt a escrever esse livro, no qual ele traz uma série de razões que explicam a divisão entre liberais (esquerda) e conservadores (direita) naquele país. As ideias apresentadas no livro também valem para o Brasil, visto que nos últimos anos temos passado por uma divisão como a que lá ocorre.

O autor explica já no início do livro que nossa mente, e consequentemente nossa ações, funcionam de duas formas: uma racional e outra intuitiva (pode ser feito um paralelo ao que Daniel Kahneman explica muito bem no livro Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar).

Haidt usa a seguinte analogia para que possamos compreender a influência de ambas formas de pensar/agir em nosso comportamento: o lado intuitivo seria um grande elefante, enquanto o lado racional seria um condutor em cima desse elefante. Quando o elefante age impulsivamente ou sai do controle, não há muito o que o condutor possa fazer. Também não há como o condutor (razão) sair vencedor quando entra em conflito com o elefante (intuição). A partir daí ele apresenta uma série de estudos e argumentos sobre nossa moralidade (nosso juízo moral, nossos julgamentos), que é realizada quase sempre pelo elefante (intuição), e não pelo condutor (razão).

A evolução humana fez com que o condutor evoluísse apenas para servir ao seu elefante, e não o contrário. Essa frase do livro ilustra bem o pensamento do autor: “intuições vêm antes, raciocínio estratégico depois”. Esse comportamento acaba por reduzir nosso campo de visão em relação ao nosso entorno, dificultando o entendimento do todo.

Outra analogia utilizada pelo autor é: somos 90% primatas e 10% abelhas. Nos comportamos como 90% das vezes como primatas pois nos preocupamos mais em parecer que somos algo do que realmente nos preocupamos em ser aquilo. Ele cita como exemplo, a maioria de nós se preocupa mais em parecer ser bom do que realmente é bom, tal qual ocorre com a maioria dos primatas. Nos comportamos 10% das vezes como abelhas pois construímos sociedades morais fundamentadas em “normas, instituições e divindades” pelas quais somos capazes de lutar, matar e morrer para defendê-las, tal qual o comportamento das abelhas em relação à suas colmeias.

Ele usa a evolução biológica, social e filosófica da humanidade para embasar seu argumentos, elaborando teorias de como funcionava nossa mente quando ainda éramos caçadores-coletores; as mudanças que ocorreram com o advento da agricultura (mudança essa que acarretou numa concentração cada vez maior de pessoas em um espaço delimitado); a importância que a religião teve no desenvolvimento da moralidade e controle das ações humanas nas sociedades; o quanto o pensamento filosófico e sociológico influenciou essas sociedades.

Os mais diversos deuses foram “criados” pelos humanos para delimitar e controlar o comportamento em sociedade. Os deuses em sociedades maiores geralmente se preocupavam em controlar ações como “assassinatos, adultérios, falsos testemunhos e quebra de juramentos”, e como os deuses criados eram capazes de ver e saber de tudo, punindo trapaceiros e mentirosos, as religiões acabaram se tornando uma ferramenta eficaz para reduzir as desavenças dentro das sociedades humanas, permitindo assim a evolução tecnológica.

Durante nossa evolução, a reputação era mais importante do que a verdade, e isso nos influencia até hoje, principalmente na política e na religião. Prova disso são os diversos charlatões que ainda existem nestes dois campos. Indivíduos que eram bem quistos pelos demais membros do grupo tiveram uma chance maior de sobrevivência e deixaram para nós os genes desse comportamento. O autor usa o termo grupoísta para definir esse comportamento humano. Durante milhões de anos nossos antepassados buscaram juntar-se aos que eram mais parecidos com eles, formando grupos coesos e entrando em confronto com grupos diferentes.

É inevitável que cada sociedade seja diferente de outras, e que cada indivíduo dentro de uma mesma sociedade tenha sua particularidade, mas mesmo assim encontramos muitos pontos em comum nas ações desses indivíduos, principalmente no que tange a questão da moralidade. A ordenação desses indivíduos em uma sociedade deve obedecer a um conjunto básico de fatores para que ela funcione.

Os conflitos entre grupos que pensam diferente sempre existiu. O livro traz estudos que comprovam o seguinte: primeiro fazemos nossos julgamentos intuitivamente, baseado em toda nossa vivência, ainda que não de forma racional, e só posteriormente buscamos evidências para confirmar esses julgamentos. Isso acaba levando aos extremismos, atos que muitos não conseguem entender, pois são analisados sob um viés puramente racional, esquecendo-se do viés intuitivo, o predominante.

Haidt pensa que a empatia é o primeiro passo para lutar-se contra o moralismo fundamentalista, mesmo que a tarefa de simpatizar-se com indivíduos que tenham uma moralidade diferente da nossa seja uma tarefa muito difícil. O confronto, ainda que você utilize argumentos racionais, não levará a nenhuma mudança de pensamento/ação. Isso se estende aos mais diversos campos: da política à religião.

Sobre a política, o livro mostra que eleitores fanáticos são tão viciados nos argumentos aos quais estão constantemente expostos, e tem de fazer tantas contorções mentais para justificá-los, que acabam ficando livre das crenças contrárias e as consideram um absurdo. Por isso é tão difícil haver debate com fanáticos. Isso pode ser explicado também pelo viés da confirmação, quando o indivíduo já tem uma ideia pré-concebida sobre algo e não faz nada além de buscar quaisquer justificativas possíveis para confirmar o que pensa. Haidt sugere que há duas formas de mudar o pensamento extremista: lidando diretamente com o elefante (intuição) ou mudar o caminho percorrido pelo elefante com seu condutor (razão), mudando seu entorno.

Os políticos usam nossos valores morais para ganharem nosso voto e nosso dinheiro, eles são especialistas nisso. Enquanto para os políticos/eleitores de esquerda a justiça signifique igualdade, para os políticos/eleitores de direita ela significa proporcionalidade. Ver o mundo todo como uma unidade é mais difícil em sociedades WEIRD (Western, Educated, Industrialized, Rich, and Democratic – Ocidentais, Educadas, Industrializadas, Ricas e Democráticas). Pesquisas realizadas com pessoas WEIRD’s em diversos países mostraram que para essas pessoas a visão de mundo é mais focada no indivíduo do que no todo, ao contrário do que acontece em sociedades orientais, em grupos tribais e países em desenvolvimento. Isso ajuda a explicar porque políticos extremistas conservadores vem ganhando espaço nos países ocidentais.

Descobriu-se que os conservadores assim o são pois geralmente são criados por pais excessivamente rígidos ou porque temem a mudança, a novidade e a complexidade. Geralmente sofrem de medos existenciais, se apegando a uma visão simplista do mundo e se preocupando mais com seu grupo do que com o todo.

Já os liberais buscam mudar a organização social sem levar em consideração o peso que estas mudanças trariam para o capital moral. Para Haidt, esse é o ponto cego da esquerda. Enquanto liberais tentam mudar coisas demais em um tempo curto demais, reduzindo assim o estoque de capital moral existente, os conservadores não conseguem perceber que alguns interesses podem ser predatórios e não veem a necessidade de mudança que os novos tempos exigem.

O autor propõe que nossas decisões morais são tomadas levando-se em conta seis fundações morais: Cuidado, Justiça, Liberdade, Lealdade, Autoridade e Santidade. Enquanto os liberais (esquerda) tendem a focar mais nos três primeiros, os conservadores (direita) focam de forma quase equânime em todos os seis. Isso não só dificulta o diálogo entre as partes como também favorece o discurso conservador em eleições.

Por fim Haidt afirma que “a moralidade enlaça e cega”, nos juntando em grupos que “lutam uns contra os outros como se o destino do mundo dependesse de nosso lado vencer essa batalha”.

O livro traz muitos argumentos, baseados em estudos, para entender o momento político atual dos EUA (podemos usar para o Brasil) e de outros países do mundo. Não cabe num resumo tudo que o livro tem a oferecer. Por isso vale a pena a leitura se você tem interesse em tentar compreender um pouco do que está acontecendo…