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segunda-feira, 14 de agosto de 2023

Quanto mais alto se grita, maior a necessidade de esconder uma verdade inconveniente...

Na sociedade contemporânea, uma constante se manifesta de forma intrigante: "Quanto mais alto se grita, maior a necessidade de esconder uma verdade inconveniente". A profundidade desse ditado ressoa nas interações humanas, revelando a complexidade das motivações por trás dos discursos fervorosos que ecoam em diversas esferas. O impulso de apontar o dedo e acusar muitas vezes mascara uma luta interna, uma batalha entre as crenças proclamadas e as verdades ocultas nas sombras.

Aqueles que erguem suas vozes com veemência contra a corrupção frequentemente carregam consigo uma ironia amarga. Em meio aos seus gritos por justiça e retidão, o peso de seus próprios atos corruptos se esconde, protegido pela fachada de um guardião incansável da moral. Ao denunciar a corrupção nos outros, eles buscam distrair a atenção das suas próprias transgressões, uma tentativa de dissipar o incômodo que a hipocrisia poderia causar.

De maneira semelhante, o julgamento fervoroso daqueles que apontam os dedos para os pecados alheios muitas vezes oculta a verdadeira batalha interna que travam. Ao acusar os outros de pecado, essas vozes clamam por pureza e moralidade, mas frequentemente escondem seus próprios deslizes e falhas. Por trás do ruído de condenação, esconde-se o medo de que suas próprias imperfeições sejam reveladas, revelando a fragilidade da autoimagem que tentam projetar.

Os gritos de reprovação contra a diversidade sexual também revelam um paradoxo intrigante. Aqueles que atacam os homossexuais muitas vezes carregam consigo a sombra de uma verdade incômoda: a de que podem estar reprimindo sentimentos e pensamentos que não ousam admitir, nem para si mesmos. A sociedade que marginaliza e estigmatiza a orientação sexual alheia muitas vezes obriga indivíduos a esconderem partes de sua própria identidade por medo do julgamento, perpetuando um ciclo de negação e repressão.

Em última análise, essa frase reflete uma triste realidade humana: nossa propensão a lutar contra o que não compreendemos ou não aceitamos, muitas vezes enraizada em nossa própria insegurança e fraqueza. A bravata pública e os gritos estridentes nem sempre são uma expressão genuína de convicções fortes; em muitos casos, são uma tentativa desesperada de esconder as contradições internas e as verdades desconfortáveis.

Para evoluir como sociedade, devemos olhar além dos gritos e das acusações superficiais. É fundamental cultivar a empatia, a autoconsciência e a aceitação pessoal, permitindo que as vozes internas encontrem harmonia com as palavras proferidas. Ao abraçar a complexidade da natureza humana, poderemos transcender as barreiras do autoengano e da hipocrisia, criando um espaço para diálogos verdadeiramente significativos e construtivos.

Desconfie daqueles que "gritam" pela pureza moral e saem por aí "gritando" contra algo...

sexta-feira, 21 de julho de 2023

O que aprendi com o livro “A mente moralista: Por que as pessoas boas se separam por causa da política e da religião?”, de Jonathan Haidt…

 A divisão política estadunidense levou o psicólogo Jonathan Haidt a escrever esse livro, no qual ele traz uma série de razões que explicam a divisão entre liberais (esquerda) e conservadores (direita) naquele país. As ideias apresentadas no livro também valem para o Brasil, visto que nos últimos anos temos passado por uma divisão como a que lá ocorre.

O autor explica já no início do livro que nossa mente, e consequentemente nossa ações, funcionam de duas formas: uma racional e outra intuitiva (pode ser feito um paralelo ao que Daniel Kahneman explica muito bem no livro Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar).

Haidt usa a seguinte analogia para que possamos compreender a influência de ambas formas de pensar/agir em nosso comportamento: o lado intuitivo seria um grande elefante, enquanto o lado racional seria um condutor em cima desse elefante. Quando o elefante age impulsivamente ou sai do controle, não há muito o que o condutor possa fazer. Também não há como o condutor (razão) sair vencedor quando entra em conflito com o elefante (intuição). A partir daí ele apresenta uma série de estudos e argumentos sobre nossa moralidade (nosso juízo moral, nossos julgamentos), que é realizada quase sempre pelo elefante (intuição), e não pelo condutor (razão).

A evolução humana fez com que o condutor evoluísse apenas para servir ao seu elefante, e não o contrário. Essa frase do livro ilustra bem o pensamento do autor: “intuições vêm antes, raciocínio estratégico depois”. Esse comportamento acaba por reduzir nosso campo de visão em relação ao nosso entorno, dificultando o entendimento do todo.

Outra analogia utilizada pelo autor é: somos 90% primatas e 10% abelhas. Nos comportamos como 90% das vezes como primatas pois nos preocupamos mais em parecer que somos algo do que realmente nos preocupamos em ser aquilo. Ele cita como exemplo, a maioria de nós se preocupa mais em parecer ser bom do que realmente é bom, tal qual ocorre com a maioria dos primatas. Nos comportamos 10% das vezes como abelhas pois construímos sociedades morais fundamentadas em “normas, instituições e divindades” pelas quais somos capazes de lutar, matar e morrer para defendê-las, tal qual o comportamento das abelhas em relação à suas colmeias.

Ele usa a evolução biológica, social e filosófica da humanidade para embasar seu argumentos, elaborando teorias de como funcionava nossa mente quando ainda éramos caçadores-coletores; as mudanças que ocorreram com o advento da agricultura (mudança essa que acarretou numa concentração cada vez maior de pessoas em um espaço delimitado); a importância que a religião teve no desenvolvimento da moralidade e controle das ações humanas nas sociedades; o quanto o pensamento filosófico e sociológico influenciou essas sociedades.

Os mais diversos deuses foram “criados” pelos humanos para delimitar e controlar o comportamento em sociedade. Os deuses em sociedades maiores geralmente se preocupavam em controlar ações como “assassinatos, adultérios, falsos testemunhos e quebra de juramentos”, e como os deuses criados eram capazes de ver e saber de tudo, punindo trapaceiros e mentirosos, as religiões acabaram se tornando uma ferramenta eficaz para reduzir as desavenças dentro das sociedades humanas, permitindo assim a evolução tecnológica.

Durante nossa evolução, a reputação era mais importante do que a verdade, e isso nos influencia até hoje, principalmente na política e na religião. Prova disso são os diversos charlatões que ainda existem nestes dois campos. Indivíduos que eram bem quistos pelos demais membros do grupo tiveram uma chance maior de sobrevivência e deixaram para nós os genes desse comportamento. O autor usa o termo grupoísta para definir esse comportamento humano. Durante milhões de anos nossos antepassados buscaram juntar-se aos que eram mais parecidos com eles, formando grupos coesos e entrando em confronto com grupos diferentes.

É inevitável que cada sociedade seja diferente de outras, e que cada indivíduo dentro de uma mesma sociedade tenha sua particularidade, mas mesmo assim encontramos muitos pontos em comum nas ações desses indivíduos, principalmente no que tange a questão da moralidade. A ordenação desses indivíduos em uma sociedade deve obedecer a um conjunto básico de fatores para que ela funcione.

Os conflitos entre grupos que pensam diferente sempre existiu. O livro traz estudos que comprovam o seguinte: primeiro fazemos nossos julgamentos intuitivamente, baseado em toda nossa vivência, ainda que não de forma racional, e só posteriormente buscamos evidências para confirmar esses julgamentos. Isso acaba levando aos extremismos, atos que muitos não conseguem entender, pois são analisados sob um viés puramente racional, esquecendo-se do viés intuitivo, o predominante.

Haidt pensa que a empatia é o primeiro passo para lutar-se contra o moralismo fundamentalista, mesmo que a tarefa de simpatizar-se com indivíduos que tenham uma moralidade diferente da nossa seja uma tarefa muito difícil. O confronto, ainda que você utilize argumentos racionais, não levará a nenhuma mudança de pensamento/ação. Isso se estende aos mais diversos campos: da política à religião.

Sobre a política, o livro mostra que eleitores fanáticos são tão viciados nos argumentos aos quais estão constantemente expostos, e tem de fazer tantas contorções mentais para justificá-los, que acabam ficando livre das crenças contrárias e as consideram um absurdo. Por isso é tão difícil haver debate com fanáticos. Isso pode ser explicado também pelo viés da confirmação, quando o indivíduo já tem uma ideia pré-concebida sobre algo e não faz nada além de buscar quaisquer justificativas possíveis para confirmar o que pensa. Haidt sugere que há duas formas de mudar o pensamento extremista: lidando diretamente com o elefante (intuição) ou mudar o caminho percorrido pelo elefante com seu condutor (razão), mudando seu entorno.

Os políticos usam nossos valores morais para ganharem nosso voto e nosso dinheiro, eles são especialistas nisso. Enquanto para os políticos/eleitores de esquerda a justiça signifique igualdade, para os políticos/eleitores de direita ela significa proporcionalidade. Ver o mundo todo como uma unidade é mais difícil em sociedades WEIRD (Western, Educated, Industrialized, Rich, and Democratic – Ocidentais, Educadas, Industrializadas, Ricas e Democráticas). Pesquisas realizadas com pessoas WEIRD’s em diversos países mostraram que para essas pessoas a visão de mundo é mais focada no indivíduo do que no todo, ao contrário do que acontece em sociedades orientais, em grupos tribais e países em desenvolvimento. Isso ajuda a explicar porque políticos extremistas conservadores vem ganhando espaço nos países ocidentais.

Descobriu-se que os conservadores assim o são pois geralmente são criados por pais excessivamente rígidos ou porque temem a mudança, a novidade e a complexidade. Geralmente sofrem de medos existenciais, se apegando a uma visão simplista do mundo e se preocupando mais com seu grupo do que com o todo.

Já os liberais buscam mudar a organização social sem levar em consideração o peso que estas mudanças trariam para o capital moral. Para Haidt, esse é o ponto cego da esquerda. Enquanto liberais tentam mudar coisas demais em um tempo curto demais, reduzindo assim o estoque de capital moral existente, os conservadores não conseguem perceber que alguns interesses podem ser predatórios e não veem a necessidade de mudança que os novos tempos exigem.

O autor propõe que nossas decisões morais são tomadas levando-se em conta seis fundações morais: Cuidado, Justiça, Liberdade, Lealdade, Autoridade e Santidade. Enquanto os liberais (esquerda) tendem a focar mais nos três primeiros, os conservadores (direita) focam de forma quase equânime em todos os seis. Isso não só dificulta o diálogo entre as partes como também favorece o discurso conservador em eleições.

Por fim Haidt afirma que “a moralidade enlaça e cega”, nos juntando em grupos que “lutam uns contra os outros como se o destino do mundo dependesse de nosso lado vencer essa batalha”.

O livro traz muitos argumentos, baseados em estudos, para entender o momento político atual dos EUA (podemos usar para o Brasil) e de outros países do mundo. Não cabe num resumo tudo que o livro tem a oferecer. Por isso vale a pena a leitura se você tem interesse em tentar compreender um pouco do que está acontecendo…

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Sobre o livro Eichmman em Jerusalém - Hannah Arendt

O julgamento do nazista Eichmman, responsável pelas deportações de judeus da Alemanha após Hitler assumir o comando do país, é retratado neste livro de Hannah Arendt. A autora traz alguns detalhes sobre o julgamento realizado em Israel, por uma corte israelense, depois que Eichmman foi capturado em Buenos Aires.
Dentre os pontos destacados da narrativa, a autora cita o fato de Eichmman ser, até onde se pode considerar isso, um cidadão comum, sem grande intelecto, e que seria um exemplo para seu círculo familiar e de amizade, fato atestado por amigos, familiares e até religiosos. Ele era considerado um "ciclista", alguém que baixa a cabeça para os superiores e chuta os subordinados. O julgamento causou um certo constrangimento em muitos que imaginavam Eichmman como um monstro, quando perceberam que ele poderia ser considerado um cidadão comum.
Buscando realizar aquilo que lhe era ordenado, e com o objetivo de subir na hierarquia burocrática alemã, Eichmman e outros chegaram a tal ponto de submissão às ordens superiores, que simplesmente as acatavam sem nenhum tipo de contestação. Isso nos leva a refletir como a simples submissão a ordens superiores pode gerar um efeito bola de neve e resultar em catástrofes.
O nazismo até a eclosão da Segunda Guerra Mundial, não governava a Alemanha de modo autoritário. Os alemães admiravam seu chanceler, que em poucos anos saiu de cabo do exército até virar Führer de 80 milhões de pessoas. Como não seguir alguém que alcança tal feito? Talvez isso explique, em parte, como mesmo após tantas derrotas durante a guerra, o povo alemão continuava acreditando em seu Führer. Aqueles que foram contrários ao atos nazistas não tinham força suficiente para lutar contra o regime.
Após a eclosão da Segunda Guerra, os nazistas adotaram 3 etapas para se "livrar" dos judeus (tornar a Alemanha judenrein):
1) Migração forçada;
2) Concentração;
3) Solução final.
Dos países que foram ocupados pela Alemanha e que apoiavam o regime nazista, apenas a Dinamarca resistiu ao judenrein alemão. Isso mostra como era difícil ir contra a imposição do totalitarismo alemão. Essa posição dinamarquesa acabou abrindo os olhos de muitos nazistas, que até então não tinham total consciência do que estavam colocando em prática, já que vários países os apoiavam. Como as ordens de Hitler eram mais faladas do que escritas, a acusação teve problemas em encontrar provas concretas (documentos) que incriminassem Eichmman.
A autora cita o fato de surgirem questionamentos quanto à submissão dos judeus ao judenrei alemão, e alega que a submissão judaica chegara a tal ponto, pois os judeus preferiam a morte imediata nas câmaras de gás, ou por fuzilamento, a tentarem uma revolta e morrerem aos poucos todos os dias (sendo torturados), durante meses a fio.
O mal perdera a qualidade pela qual a maior parte das pessoas o reconhecem, a qualidade da tentação. Os nazistas que impuseram a Solução Final aprenderam a resistir à tentação de não fazer o mal, banalizando-o. Ou seja, fazer o mal era algo comum, e muitas vezes, nem sequer percebiam que estavam fazendo o mal. A autora questiona a moral desses atos, afirmando que embora alguns atos morais por parte de pessoas ligadas ao nazismo (como não acatar ordens superiores), não poderiam ter modificado o resultado final. Mas apesar disso, tais atos são necessários, pois eles ficarão para a posteridade, servindo sobretudo como exemplo a ser seguido.
Embora Eichmman tenha sido o responsável pelo setor de deportação alemão, a autora cita que a lei sempre deve julgar o crime, e não a pessoa. A vítima é a quebra do contrato social, aquele que mantem a ordem na sociedade, e não a pessoa que cometeu o crime.